sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ao mestre, com carinho.



         Abro um espaço aqui para lembrar de uma figura importantíssima na minha formação e que, com certeza, tem boa parte de culpa por eu me arriscar no ofício de produzir textos.
         O nome dele é Roberto Azevedo, meu professor no terceiro ano do primário, nos idos de 1966.
         Professor Roberto era ator, mas como estava no início de carreira, complementava seu salário dando aulas na extrema periferia da cidade e tive o privilégio, aos nove anos, de ser seu aluno.
         Ao invés de ser aquele mestre chato, cantava músicas com a gente - muitas de sua autoria - lia textos interessantes e fazia concursos de redação.         Ganhei uma medalha de "ouro" num deles e aquilo me serviu como um gigantesco incentivo no caminho da escrivinhação. 
         A primeira vez que fui ao teatro - a peça era o Auto da Compadecida - foi ele quem me levou.
         Quando fui para o ginásio, com frequencia ia visitar Roberto na escolinha pra matar a saudade. E ele me fazia contar pra turma - numa espécie de palestra - como era a vida no curso ginasial. Isso me ajudou na inibição.
         Dois ou três anos depois, Roberto entrou para a televisão - foi fazer novela na Tupi - e deixou as aulas. A partir daí, só o via pela telinha.
         Na década de oitenta, Roberto Azevedo já era um cara razoavelmente conhecido no meio artístico - participou de 29 peças teatrais, a última delas "O Feitiço", fez quatro novelas  - Eu e a Moto, Jogo da Vida e Elas por Elas, ambas na TV Globo e Razão de Viver no SBT. Depois passou a integrar o elenco dos programas Planeta dos Homens e Veja o Gordo, ambos com Jô Soares. 
         Em 86, reencontrei o mestre no final da apresentação de Oh, Calcutá! uma peça onde, para escândalo geral, todos os atores ficavam nus.
         E, ao encontrá-lo no saguão do teatro Brigadeiro, não precisei dizer palavra. 
         Roberto veio caminhando até mim e disse:
         - Você ainda assina Loque? em referência um trocadilho que eu costumava fazer com meu sobrenome nas provas.
         Aquilo me emocionou. De um moleque de onze anos - a última vez que o tinha visto - eu estava totalmente mudado, com 28 anos, 1,86 de altura, barbudo, cabeludo. Fora realmente fantástico ele ter me reconhecido assim, de pronto, sem eu precisar abrir a boca.
         Então, correndo o dedo indicador pelos meus olhos o mestre me disse:
         - Sua aparência pode ter se transformado por inteiro, mas esta parte não mudou nada.
         Fiquei de visitá-lo logo em seguida. Mas fui adiando até que montei uma empresa de clipping. No início de maio de 1988, meu sócio estava lendo a Veja e me perguntou: tem um ator aqui - Roberto Azevedo - que morreu de aids. Esta notícia interessa a algum de nossos clientes de saúde?
         Tive um puta choque.
         Ele escondera a doença de todo mundo e morreu, assim, de surpresa.
         Perdi meu mestre e um grande amigo, que me me ensinou a gostar de escrever, de ler, e me ajudou a não ter problemas de falar em público. E, me reconheceu de imediato depois de tanto tempo.
        Acho que muito dessa minha escolha por fazer jornalismo e esta obstinação por escrever vem daí.
        Valeu! Professor Roberto.

Um comentário:

  1. Então... estamos ai! Muito bom seu Blog. Obrigado pela sua visita no meu.
    ABS

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